quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Reportagem no Correio Braziliense Por Leilane Menezes

Vânia Diniz (D) com o marido, Paulo Diniz, também escritor, lamenta: "Muita gente chega a uma farmácia precisando de apoio emocional"
COMÉRCIO

Drogaria que mantinha livros para a clientela usar, sem custo, é obrigada a retirar o material. Medida é questionada por escritora que trabalha com incentivo à leitura

SEM LIVROS NA PRATELEIRA

Por Leilane Menezes

Era pouco antes do meio-dia, na terça-feira da semana passada, quando uma fiscal da Vigilância Sanitária do Distrito Federal entrou em uma das farmácias da 302 Sul. Entre duas prateleiras de remédios, ela avistou quatro estantes cheias de livros. Depois de investigar o motivo de os exemplares estarem ali, a mulher descobriu que se tratava de uma biblioteca comunitária.
A fiscal, então, preencheu uma notificação, destinada ao dono da drogaria, estabelecendo o prazo de cinco dias para a retirada dos livros daquele ambiente. Explicou que a presença das publicações vai contra a lei federal que regulamenta a atividade das drogarias. E não abriu possibilidade de negociação (veja Nota da Vigilância Sanitária). A notícia surpreendeu a idealizadora do projeto de incentivo à leitura, a escritora Vânia Diniz, moradora da Asa Sul. O pequeno espaço literário tinha mais de 100 unidades expostas.
Machado de Assis, José de Alencar, Rachel de Queiroz e muitos outros escritores tiveram suas obras incluídas na coleção. Não só a literatura tinha vez: apostilas de concursos públicos também podiam ser vistas ali. Toda essa riqueza era oferecida aos clientes da farmácia, sem nenhum custo. Quem quisesse levar os livros para casa, tinha autorização. Várias pessoas também doavam novos títulos, como forma de incentivar a corrente de leitura. Com receio de ser multado, o dono do comércio, que pediu para não ser identificado, seguiu a instrução da fiscal, embora discordasse dos argumentos para retirar os livros.
A farmácia da 302 Sul, portanto, continua com sua destinação original, a de oferecer produtos que ajudem na cura de diferentes tipos de enfermidades. Palavras e pensamentos impressos — que, muitas vezes, podem trazer conforto espiritual ou emocional — não estão mais disponíveis ali. “As pessoas faziam um intercâmbio cultural enorme. Muita gente chega a uma farmácia precisando de apoio emocional. Os livros diminuíam a frieza do ambiente”, afirmou Vânia.
A escritora não concorda com as explicações da vigilância. “Tem biblioteca em açougue, em um monte de lugar. Que mal os livros podem fazer? Estragar os medicamentos, que são hermeticamente fechados e difíceis até de abrir? Seria ácaro? Seria poeira? Não aceito esses argumentos. Tenho certeza que faltou sensibilidade ao agente público. Estou de luto com essa atitude, realmente decepcionada”, protestou.
Paixão

Desde criança, a escritora alimenta o amor pelo ofício. “Meu avô, Raimundo, era escritor. Na casa dele, o Rio de Janeiro, eu conheci gente como Rachel de Queiroz. Fiquei fascinada por esse mundo e me dedico a ele desde então”, contou a carioca, que vive em Brasília desde 1969. Quando retiraram os livros da farmácia, Vânia diz ter tido a sensação de ver um filho sendo machucado. “Alguns dos exemplares ali levavam meu nome. O projeto era uma ideia minha. Fiquei muito abalada com essa rejeição.”
A biblioteca da farmácia não era a única mantida em um local inusitado e montada por Vânia, com ajuda de seu marido, o escritor de livros técnicos Paulo Diniz, 75 anos. Ela também inaugurou pontos de leitura no salão Marilene Cabeleireiros, na 414 Sul; na oficina mecânica Escapamento Melo, na 702 Norte; e na escola É DAC, na QL 6/8 do Lago Sul. Neste último local, há mais de 450 exemplares.

“Tenho a impressão de que as pessoas falam muito em leitura, mas leem muito pouco. O povo não está lendo. Isso me incomoda muito, porque a leitura é uma das maneiras mais eficazes de tirar alguém da exclusão do conhecimento”, avalia a escritora. Vânia lembra que, quando os livros chegam perto das pessoas, elas podem se interessar pelo universo da leitura. Assim ocorreu com a cabeleireira Tatiana Santos, 25 anos, moradora de Valparaíso. Quando viu os exemplares distribuídos por Vânia no local de trabalho, ela teve a curiosidade despertada e decidiu folhear um livro, como há muito tempo não fazia.

“Eu sempre gostei de ler, mas não tinha muita oportunidade para estar perto do livro. Agora, tenho esse costume. Levo para ler no ônibus. Gosto de poemas”, relatou Tatiana. Assim como ela, outras oito colegas do salão e as clientes também criaram gosto pela literatura. Mesmo diante da decepção, Vânia não desiste de espalhar conhecimento. No que depender dela, os livros estarão por todo lugar.
Perfil

Vânia Diniz

Tem 15 livros publicados. É presidente da Academia de Letras do Brasil, pertence ao Sindicato dos Escritores do DF, à União Brasileira de Escritores e à Rede de Escritoras Brasileiras. Mantém o site www.vaniadiniz.pro.br, no qual divulga as próprias obras e as de novos autores.
O outro lado
Nota da Vigilância Sanitária

“Realmente, a fiscalização da Vigilância Sanitária esteve no local, solicitando a retirada dos livros. Isso ocorreu pelo fato de o funcionamento de uma exposição de livros dentro de uma farmácia ser proibido por lei. De acordo com a norma RDC 44/2009 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Lei Federal nº 5991 de 1973, drogarias só podem expor e comercializar remédios. Qualquer outra mercadoria vai contra a lei e deve ser retirada”.
Pioneira dos imortais

Rachel de Queiroz nasceu em Fortaleza (CE), em 1910. Escreveu romances, entre eles Memorial de Maria Moura, que virou minissérie exibida pela TV Globo em 1994, protagonizado por Glória Pires; crônicas e peças teatrais. Em 1977, Rachel tornou-se a primeira mulher a ser eleita para a Academia Brasileira de Letras. Morreu em 2003, enquanto dormia na rede, em casa, no Rio de Janeiro.
Fonte:Jornal CORREIO BRAZILIENSE, Caderno CIDADES, p. 66, edição de 24.fev.2011.

26 comentários:

  1. Mensagem do Escritor Gustavo Dourado

    Querida Vânia:
    Parabéns!
    Sucesso na caminhada
    Tudo de bom
    Bjs
    Gustavo Dourado

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  2. Comentário da Escritora Ridamar Bar=tista
    Obrigada amiga guerreira
    por mais esta vitória em nome da literatura.
    Um abraço.
    Ridamar Batista

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  3. Comentário da Escritora Debbie Villela

    Vânia,
    Que a sua força seja infinitamente maior que a sua decepção, pois assim a sua alma colorida continuará encantando a todos NÓS!
    Beijos
    Debbie Villela

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  4. Comentário Do Escritor Elias Daher

    Parabéns Vânia

    pela iniciativa de socializar os livros em todos os ambientes
    pela voz de protesto diante da arbitrariedade

    Grande abraço
    Elias Daher
    Presidente do Sindicato dos Escritores do DF

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  5. Comentária da Escritora Meireluce fernandes

    Mais uma vez, Parabéns, amiga Vânia.
    Se todos nós brasileiros protestássemos, talvez, o País seria outro. BRAVO!
    Tenha certeza de que você está fazendo a sua parte.
    Beijos, da amiga, Meire

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  6. \comentário de Maria Félix

    Vânia
    A matéria ficou muito boa, com grande destaque. Parabéns, Vânia.
    Maria

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  7. Comentário de Cristina Arraes

    É incrível a falta de atenção com aspectos da cultura. Lembrando uma frase da Bíblia, "O homem não foi feito para a lei mas a lei para o homem". E o que seria a lei para o homem neste caso? Significa que a aplicação da lei estaria prejudicando pessoas que não costumam ler, entram numa farmácia e aí encontram um incentivo para uma caminhada em busca da arte, das letras, da cultura! Lamentável.
    Cristina Arraes

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  8. É ASSIM QUE O MUNDO MELHORA, MINHA AMIGA. LINDA ATITUDE. BEIJA DA JOYCE

    Joyce Cavalccante
    Presidente da Rebra (rede de Escitoras Brasaileira)

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  9. Parabéns, Vânia!
    Urda Alice Kueger

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  10. ROSALIE GALLO

    PARA ESCRITORA: VANIA
    COMENTÁRIO: cara vania: assim que li seu primeiro e-mail imediatamente escrevi ao amigo Victor Alegria (Ed. Thesaurus), daí de Brasília, indignada pelo ocorrido e solicitando apoio... Fico feliz em saber que o que você fez e disse já rendeu jornal!!! Parabéns, Rosalie

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  11. Mensagem do Escritor Francisco Simões

    Amigas e amigos, devem se lembrar daquele episódio dos livros cedidos por Vâni Diniz e colocados em exibição numa Farmária de Brasília, livros que não estavam à venda e que foram retirados por uma fical da Vigilância Sanitária. Vejam a repercussão do caso num artigo, com foto, do Correio Brasiliense.

    Leiam, por favor, até o final, onde verão a "justificativa" da tal Vigilância Sanitária... Lembro que o que Vânia tentou em Brasília existe em várias cidades pelo Brasil afora e é muito comum em países do primeiro mundo. Só isso.
    Abraço amigo do
    Francisco Simões.

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  12. mensagem de Robertta Doelinger

    Querida Vânia, fico triste com a postura da vigilância sanitária, mas só tenho a aplaudir a sua. Pessoas como você fazem a diferença. Meu apoio e parabéns! Ao pessoal bur[r]ocrático da vigilância sanitária deixo a frase de Monteiro Lobato para que possam refletir: "Um país se faz com homens e livros".
    Bjo grande,
    Roberta

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  13. Comentário da Escritora Fátima Paraguassu

    GRANDE VÂNIA!

    PARABÉNS
    PUBLIQUEI ESSA MATÉRIA NO BLOG DA ALB/SANTACRUZDEGOIAS
    Fátima Paraguassu

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  14. Comentário do Escritor Luiz de Aquino

    Querida Vânia,
    isso é revoltante!
    Luiz de Aquino

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  15. Mensagem da Escritora Érwelley de Andrade

    Vânia Diniz, fiquei orgulhosa de você e sabia que não deixaria de maneira nenhuma essa injustiça passar em branco, pois sua determinação e luta é firme sempre.

    Li e gostei muito da matéria, divulgarei onde for possível, parabéns pela atitude e saiba que pode contar comigo sempre.

    Abraços, Érwelley.

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  16. Comentário da Escritora da Rebra Betty Silberstein

    Parabéns, Vânia.
    É isso aí.
    Botar a boca no trombone.
    Esse pessoal de fiscalização deveria fiscalizar o próprio ego!!!
    Esperoq ue voltem atrás nessa iniciativa que achei tãooooooo bacana.

    Aqui em SP teve uma época que um posto de gasolina estava fazendo o seguinte: colocaram uma estantezinha com livros de quem quisesse. Você pegava um livro e deixava outro. Ou só deixava. Ou só pegava. A coisa tava indo tão bem, até que um dia... PUFffff desapareceu. Será que os ácaros atacavam TAMBÈM a gasolina???

    Beijinho e admiração.
    Sua coleguinha da REBRA

    Betty Silberstein

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  17. Mensagem da Escritora Lilian Maial

    Parabéns, Vânia!
    Um absurdo, em terra de tantos analfabetos, uma proibição descabida.
    Beijos,
    Lílian

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  18. Mensagem do Escitor e Poeta Jorge Amâncio

    Confreira Vânia Diniz
    Colocar a boca no mundo
    é o melhor remédio
    Valeu minha presidenta
    UM
    axéBraço
    jorge

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  19. Mensagem da Escritora e Poeta Virgínia Além mar

    Que Maravilha Vaninha, tua luta ganhando espaço e divulgação necesária.
    Avante nesta jornada de afeto-humanização , onde a literatura é ferramenta indispensável.
    abraços de admiração e carinho,
    tua sempre, virgínia

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  20. Cara Vânia
    Mensagem do Escritor Virgílio Arraes

    parabéns pelo seu posicionamento. Situação similar ocorreu com o T-Bone há alguns anos.
    não consegui ler a matéria. vou buscar na internet. Tenho certeza de que sua posição e a do Paulo repercutiram bem no mundo literário.
    grande abraço
    Virgílio

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  21. Comentário de Margrida Meirelles Moreira

    Querida Vânia
    Parabéns por mais uma iniciativa sua a favor dos menos favorecidos e que também têm direito à cultura.
    Quando li o e-mail anterior sobre a retirada dos livros da farmácia, achei uma agressão à sociedade num todo. Poxa que mal ha nisso!!!!!
    Felizmente essa reportagem do Correio Brasiliense veio divulgar para milhares de pessoas essa atitude "mesquinha" da burocracia do nosso país.
    Força Vânia!!!!!Continue no seu propósito de levar a cultura às pessoas mais simples. O seu valor será maior!!!
    Beijos.
    Margarida

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  22. Mensagem de Gezeuda Arraes

    Querida Vânia , li a reportagem e fiquei triste por tal ocorrência . Poucas pessoas tem garra e firmeza nos ideais! Você é uma delas , só dá exemplo de amor!! Isto nào há de ser nada perante toda a energia que voce tem . A tua intensão foi a melhor e este incentivo à leitura gerou frutos e ainda haverá de gerar !
    Que Deus abençoe sempre a sua caminhada .
    bjs. gezeuda

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  23. Comentário do Escritor Judivan J. Vieira

    Parabéns à colega escritora Vânia Diniz pela coragem e sensibilidade cultural.
    Judivan J. Vieira

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  24. Comentário da Escritora Carmo Vasconcelos

    Prezada Vânia,

    Eu já tinha lido na AVSPE sobre essa insensatez da retirada dos livros da farmácia.
    Ainda bem que a denúncia saiu no jornal. Pode ser que alguma dessas cabeças (mal) pensantes
    reflicta sobre o assunto.

    Parabéns pelo seu esforço e contributo à cultura. Pelo menos, valeu a intenção.

    Com admiração e carinho
    Carmo Vasconcelos

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  25. Mensagem da Escritora Cinthia kriemler

    Vânia,

    Parabéns! O exercício da cidadania precisa mesmo ser permanente, pois ainda é uma das (poucas) coisas que se pode praticar em meio a tantas impunidades e desmandos.
    Bj
    Cinthia

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  26. Querida amiga Vânia...

    Sinto muito pelo ocorrido, muito mesmo. Este é o tipo de coisa que não poderia mais ocorrer em nosso país, principalmente porque a leitura saudável é importantíssima para o desenvolvimento cultural do ser humano e de nossa sociedade. Sabemos que as leis são feitas no sentido de protegâ-la, mas, que mal farão bons livros a ela se estiverem à disposição gratuitamente numa farmácia? Eu realmente gostaria de saber...
    Seja como for, parabéns pelo seu empenho em tentar reverter esta situação. É deste tipo de atitude que carece nossa sociedade para que ela se desenvolva como precisa.
    Bjs
    Neusa Padovani Martins

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